Dor Crônica
As dores crônicas não têm a finalidade biológica de alerta e sobrevivência e podemos dizer que se constituem como verdadeiramente uma doença. Com relação ao aspecto temporal, as definições variam quanto sua conceituação, da duração de mais de três ou seis meses, ou as que persistem após a cura da lesão inicial. Algumas vezes não se consegue um nexo causal, o que não invalida o seu diagnóstico e sua existência.
As dores crônicas permitem discussões conceituais da medicina clássica, havendo a necessidade de argumentações que fogem do modelo dito biomédico clássico, com implicações filosóficas, sociais e emocionais, daí o emprego do modelo biopsicossocial. Assim, o pensamento de Shakespeare "Todos são capazes de dominar a dor, exceto quem a sente" contraria as abordagens atuais, desde que um dos objetivos terapêuticos em uso é de técnicas que permitam aos pacientes conviver e interagir com a dor e o sofrimento. Outro aforismo clássico da medicina, "sublata causa tollitur effectus" (retirada a causa o efeito desaparece), também é invalidado pelo próprio conceito de dor crônica.
O entendimento da dor não deve se limitar a sua expressão neurosensitiva, e sim também como uma mensagem emocional, uma metáfora perceptiva. Pode ser uma sensação adaptativa, um alerta precoce para proteger o corpo de lesões teciduais, ou eventualmente ser uma má adaptação, refletindo um funcionamento patológico do sistema nervoso. De tal forma que existe a dor como uma experiência sensitiva e a dor como uma metáfora perceptiva de sofrimento, de aflição ou mágoa. Essa nocicepção é ativada somente por estímulos lesivos, atuando em receptores especializados. A nocicepção uma vez presente, após o desaparecimento do sinal de alarme, toma características motivacionais, semelhantes à fome, sede ou desejo sexual. O limiar para despertar a dor tem que ser elevado o suficiente para que a mesma seja evocada, antes que ocorra lesão tecidual. Esse limiar não é fixo e pode ser alterado tanto para mais como para menos, podendo ser tanto adaptativo, como mau adaptativo. Mudanças no limiar de dor e da capacidade de resposta são expressões de neuroplasticidade, que é a maneira biológica pela qual, mudanças no sistema nervoso podem modular as respostas a qualquer estímulo. Essa plasticidade caracteriza essencialmente as síndromes clínicas dolorosas.
Na análise do impacto da dor crônica sobre o indivíduo, admite-se que haja a passagem pelos vários períodos, como descrito pela psiquiatra nascida na Suíça, Elisabeth Kübler Ross, em seu livro Sobre a morte e o morrer onde, ao invés da morte, existe o sofrimento. O primeiro dos períodos identificados por Kübler Ross no processo de morte (sofrimento) é a negação, quando o paciente se recusa a aceitar que tem uma condição fatal (ou crônica). Depois se seguem a raiva, a negociação, a depressão e a aceitação de que a morte é inevitável (sofrimento). Os períodos, advertiu Kübler Ross, não se sucedem de forma ordenada e excludente, mas podem misturar-se, em particular durante o da negociação, quando o paciente pensa que caso se submeta a um determinado tratamento, ou se fizer dieta ou exercício, talvez possa reverter sua condição. O reconhecimento de que a negociação não é possível com a morte (sofrimento), frequentemente leva à quarta fase, que é a depressão. A etapa final é a aceitação, quando a pessoa reconhece sua mortalidade (seu sofrimento como tratável, não a proximidade do fim) e a proximidade do fim.
Nas dores crônicas, teríamos na Fase I, comportamentos de negação, busca de tratamento, vulnerabilidade ao charlatanismo e métodos mágicos e não convencionais. Fase II, hostilidade, agressividade, litígios e abusos medicamentosos. Fase III, depressão, desespero, insônia, busca de tratamentos, não aceitação de ajuda pessoal e abuso de medicamentos. Fase IV, aceitação da incapacidade, permissão de uma abordagem realística no tratamento, podendo ser ajudado.
Escala de faces da dor |
- Referencia
- MARQUEZ, Jaime Olavo. A dor e os seus aspectos multidimensionais. Cienc. Cult., São Paulo, v. 63, n. 2, Apr. 2011 . Available from <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252011000200010&lng=en&nrm=iso>. access on 28 May 2015.
- Imagem: Avaliação de dor segundo o Ministério da Saúde. Disponível em: <http://www.absh.org.br/00.php?nPag=11_008>. Acesso em 28 maio 2015.
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